Nas veias de Michele, o sangue da solidariedade
- Luiza Adorna
- 15 de jul. de 2021
- 4 min de leitura
Matéria para Portal Arauto: Link original: https://www.portalarauto.com.br/Pages/194406/nas-veias-de-michele-o-sangue-da-solidariedade
“Nas minhas veias corre o sangue de muitas pessoas que eu conheço e de outras pessoas que eu não faço ideia de quem são, mas todos têm meu enorme agradecimento por esse gesto grandioso de solidariedade. Doando sangue você presenteia alguém com o melhor presente que você pode ganhar: o direito de viver”. Essas palavras são de Michele Henrichsen, 31 anos, natural de Sinimbu. Há mais de um ano, em um acidente de trânsito na BR-290 em Pantano Grande, sua vida mudou completamente. Após 18 dias em coma, ela reaprendeu a viver enquanto descobria, aos poucos, o mar de solidariedade que havia se formado em prol de sua própria vida.
Foram tantas doações de sangue em seu nome no Hospital de Canoas - onde ela ficou internada -, que Michele recorda de uma enfermeira lhe contando que o estoque ficou abastecido por um bom tempo. “A doação foi 100% essencial para minha vida. Eu queria dar um abraço bem apertado e dizer que sou muito grata a cada um que doou seu tempo e seu sangue pensando em me ajudar, pensando em salvar a minha vida. Essas pessoas não fazem ideia do quanto isso fez diferença para eu viver e ajudou completando estoque, ajudando outras pessoas”, destaca. A transfusão no caso de Michele foi necessária por conta de uma hemorragia interna, devido às perfurações e às cirurgias que foram uma atrás da outra. Afinal, as batalhas pela vida foram gigantes.
Por conta do acidente naquele 2 de maio de 2020, muitos foram os obstáculos que Michele precisou enfrentar. “Um detalhe que não tem como esquecer: quando nós quatro (ela, ex-companheiro e um casal que estava de carona) colocamos os cintos de segurança e num piscar de olhos, questão de segundos, foi perdido o controle do carro. Não me lembro de mais nada. Quando me dei por conta, acordei 18 dias depois, quando me explicaram toda a situação. Eu tive politrauma grave, múltiplas fraturas de face, fraturei três vértebras da coluna lombar, quebrei meu braço em dois lugares, fiz duas intervenções abdominais, fraturei os dois pulmões, tive lesões no intestino em três lugares, eu perdi uma trompa, quebrei meu nariz, os ossos da face, quebrei o osso ao redor dos olhos, onde foram colocados parafusos de fixação. Quebrei o osso maxilar, o dente frontal, fizeram traqueostomia no meu pescoço, foi colocado sonda digestiva, sonda urinária, tive lesões no pé direito e lesões no joelho. A situação era gravíssima, muito complicada e diziam que não era para se ter expectativas”, relembra.
E então ela renasceu. A sobrevivência ao acidente e a recuperação de todos os traumas físicos e psicológicos construíram uma nova Michele, ainda mais grata a Deus pela vida e por todos aqueles que lutaram por ela. Por isso, neste Dia Mundial do Doador de Sangue, comemorado neste 14 de junho, seu sentimento é de gratidão. “Quando tive acesso ao meu celular e vi toda a mobilização iniciada na internet pelos meus primos, foi emocionante demais! Eu li todos os comentários e as mensagens de força que eu recebia. Não tinha como não se emocionar com toda essa energia. Inclusive, de todos os profissionais da saúde que foram sensacionais com todo o cuidado e carinho. Foram simplesmente pessoas extraordinárias. Anjos que Deus colocou na minha vida”, diz.
Recomeço
Cabeleireira, maquiadora e ex-princesa de Sinimbu, Michele sempre foi muito vaidosa e, por isso, também foi muito difícil enfrentar sua nova realidade. “Eu fiquei com sequelas nítidas: o braço quebrado que ficou torto, tenho faixa na cabeça devido uma cicatriz grande, tem meu olho que é diferente, os dentes, o formato do rosto, a barriga e as costas com cicatrizes. Quando ouço uma cliente reclamar de coisas pequenas sobre vaidade, falo que nada adianta se não tiver saúde. Deus foi muito bom em me deixar aqui! Por isso acredito que nada é por acaso. Tive que morrer para viver e vir diferente de como eu era, física e psicologicamente. Isso aconteceu para me mudar, ter mais amor no coração, empatia pelo próximo e ser mais responsável em outras questões. Deus sempre sabe o que faz, mas nós compreendemos mais tarde. Eu fui aceitar, compreender e sair da depressão fazem quatro meses!”, conta a moradora de Santa Cruz do Sul.
Por ter tido uma recuperação bastante dolorosa devido aos traumas psicológicos e físicos, recuperação das cirurgias e retirada e limpeza dos pontos, Michele reconhece o quanto cada segundo da sua vida é importante e o quanto sua família a ama. “Dependia da ajuda dos meus familiares para me alimentar, fazer as necessidades básicas, tomar banho, ir ao banheiro. Depois de muito tempo na cama, sem poder me mexer devido ao trauma na coluna, eu consegui me locomover através de uma cadeira de rodas. Foi uma alegria muito grande sair da cama, nem que fosse por 10 minutos. O dia que tomei banho pela primeira vez no chuveiro, com ajuda, foi extraordinário. Foi como se eu tivesse embaixo de uma cachoeira, de tão maravilhoso que foi. Algo simples, mas que a gente não se dá conta antes de como é bom”, relata.
Com o apoio dos pais Erton Henrichsen e Ângela Maria Biesdorf Henrichsen (in memoriam), avós, irmão, cunhada, tios, familiares e amigos, Michele despertou para sua nova vida. “Tive que reaprender a mastigar, engolir, falar normalmente, andar e enxergar com visão dupla por conta do trauma ter sido muito grande no meu olho”, salienta. Porém, sempre encontrava nos pais o abraço de apoio e estímulo para a vida. Há poucos dias, Michele perdeu a mãe para um câncer maligno, descoberto pouco depois do acidente. Na memória, fica cada cuidado e gestos de ternura que fizeram toda a diferença em sua recuperação. Ângela gostava de contar, inclusive, que salvou sua filha por ter acionado a equipe médica enquanto ela sofria uma das paradas cardíacas no quarto do hospital. O que Ângela não contava é que ela salvava a filha todos os dias, com seu amor incondicional.
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