Livres para orar
- Luiza Adorna
- 15 de jul. de 2021
- 4 min de leitura
Matéria para Portal Arauto: Link original: https://www.portalarauto.com.br/Pages/172804/livres-para-orar
“Vinde a mim todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” Essa passagem bíblica de Mateus 11:28 é uma das favoritas de Carlos, Joaquim e Raul, detentos do Presídio Regional de Santa Cruz do Sul. Embora os nomes tenham sido modificados, suas histórias são reais e resumem os resultados das ações religiosas realizadas nas casas prisionais da 8º Delegacia Penitenciária Regional (8ª DPR).
Os três, que trabalham juntos na cozinha do Regional, dividem mais do que as tarefas atribuídas a eles durante o cumprimento das penas. Dividem a paixão pela palavra e compartilham a religiosidade, descoberta lá dentro, em meio ao sofrimento e a saudade da família. Afinal, os apenados confessam que, enquanto estavam livres, pouco se aproximavam das igrejas ou acreditavam.
A crença veio junto com a amizade e deu força para passar os dias. Apoio obtido ao lado de outros 32 presos em Santa Cruz que recebem, semanalmente, a palavra de fé das igrejas Assembleia de Deus, Universal e Igreja da Graça. As instituições intercalam o serviço e oferecem os cultos nas sextas-feiras e nos sábados. Porém, os representantes da ala da cozinha estendem os momentos e realizam ações diariamente, que lhes tornam mais fortes. Na segunda oram no próprio culto, dentro da cozinha. Na terça e na quarta-feira fazem a hora do agradecimento, de mãos dadas. Na quinta, o dia é para o estudo bíblico, quando se reúnem para ler passagens e discutir o que entenderam. A cada oração, cântico e leitura, a vida fica melhor e a pena a ser cumprida parece menor para eles e para quem os espera, em casa.
A mãe de Joaquim, por exemplo, foi tomada pela fé do filho durante as visitas. Hoje, ela passou a frequentar a igreja e a crer, do lado de fora, que as coisas irão mudar. Natural de Herveiras, Joaquim tem 47 anos e cumpriu apenas oito meses dos quatro anos e meio que precisa ficar no regime fechado. Tempo em que irá lutar para melhorar como pessoa e torcer pela fé dos que o aguardam do outro lado do muro.
“Não esperem para aceitar a palavra de Deus aqui dentro. Aceitem aí fora e não venham para cá”, diz.
Ao lado dos amigos, ele presenciou casos de quem entrou sem acreditar em Deus e saiu direto para o interior da igreja, certo de que a fé se manteria em sua vida.
O santa-cruzense Carlos, de 41 anos, testemunha estas mudanças desde que entrou no Regional, há dois anos e nove meses, e sabe que muito observará nos próximos 72 meses em regime fechado. “Aqui, quem chega cansado, sai novo. Quem se entrega para Deus e anda com Ele, sai diferente. Deus usa os voluntários para nos ajudar e somos gratos por isso. Ele nunca deixa de existir”, fala.
Deus foi o melhor amigo que eles encontraram. Raul, de 62 anos, conta que no pior momento de sua vida, visualizou a salvação. “Ou é por louvor ou é pela dor. Eu voltei para minha fé pela dor”, destaca. O santa-cruzense comenta ainda o quanto fica feliz com a oferta das atividades religiosas – que ele nem imaginava que existiam no ambiente prisional. “A casa nos dá esta oportunidade e precisamos aproveitá-la. Aqui não tem placa de igreja e ninguém é obrigado a nada. Deus é um só e estamos abertos a qualquer religião que queira contribuir”, cita.
Carlos, Joaquim e Raul sabem que, enquanto for necessário, permanecerão no presídio diante de infinitas possibilidades encontradas nas escrituras. Com livros e Bíblia à disposição, encontram na leitura um guia do comportamento que desejam ter quando as portas do presídio se abrirem. Querem voltar para suas famílias, seus amigos e ao mercado de trabalho. Porém, possuem consciência de que não será fácil. “A batalha maior estará lá fora, com o preconceito”, diz Raul. E é por isso que sabem da importância de se tornarem, a cada dia, mais fortes na fé. Para que saiam prontos para encarar qualquer obstáculo, em busca da vida que planejam ter, dia após dia, a cada amanhecer no Regional.
Perspectiva de vida
Uma oração é capaz de acalmar qualquer coração. É nisso que acredita Samantha Longo, responsável pela 8ª DPR. Conforme a delegada, as atividades realizadas nos presídios oportunizam melhoras significativas aos 400 apenados da região que aceitaram participar do projeto. “O trabalho das igrejas, através dos cultos, das missas e demais ações, faz com que os presos ocupem seu tempo e tenham pensamentos positivos, visando objetivos futuros e perspectivas de vida”, diz. Segundo ela, tudo é preparado diante da possibilidade de cada estrutura, desde que não ofereça riscos à segurança do local.
A delegada explica que este serviço é oferecido a toda e qualquer pessoa recolhida nas casas prisionais da região. As igrejas participantes também são diversas e variam entre os municípios. Atualmente, além do Regional de Santa Cruz, participam dos cultos ou missas pessoas presas em Cachoeira do Sul, Encruzilhada do Sul, Sobradinho, Lajeado, Encantado, Arroio do Meio, Candelária, Rio Pardo – hoje desocupado para obras -, da Penitenciária Estadual de Venâncio Aires (Peva), do Presídio Estadual Feminino de Lajeado e do Monitoramento Eletrônico. Neste último caso, os detentos que utilizam tornozeleiras são liberados para sair da área permitida em direção às igrejas, de braços abertos para a fé.
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